sexta-feira, 5 de maio de 2017

Do que enternece a alma pensante

Não preciso de uma premissa para qualquer coisa, não espero nada, bem como não desejo nada ao terceiro que está em uma situação deplorável, seja de uma excruciante angustia à uma maléfica limitação física, nem tampouco do que se encontra em pleno estado de gozo, apreciando e promovendo o que lhe provem e agrada, florescendo em vida.

Se para alguém houver a ânsia de que se deve partir sempre da premissa da "vontade de deus", é porque neste indivíduo não pareceu suficientemente proba e intensa a ideia do quanto eram livres e discricionárias suas possibilidades de manifestação, criação, demonstração ou reprodução de seja lá o que for, corolário suas construções de padrões cognitivos passaram a ser espectros flutuantes num eterno emaranhado de inconsistência, o que gerou um mecanismo rudimentar com o passar do tempo. Um mecanismo chulo de caráter caucionador que tem a finalidade de justificar a castração da própria liberdade, para finalmente, e mais uma vez, eivar de significado aquilo que até algum ponto era claro e prolífico e que depois viera a se perder no vale dos espectros flutuantes, não serei hipócrita em negar que ainda é aí que meu pensamento flutua, no emaranhado da inconsistência, que um dia acabará por culminar na geração de um feio e obtuso mecanismo rudimentar, mas por hora mantenho-me na resistência, já não há mais a claridade prolífica, restam apenas espectros escuros e vazios que flutuam num mar silencioso e deteriorador, mas o ínfimo que sobrou da liberdade ainda manifestarei sem lhe pagar sequer uma premissa, por breves momentos me vêm os indícios do que é o absoluto arbítrio, e seus braços enternecem o ser pensante.

quarta-feira, 22 de março de 2017

Os patamares das relações interpessoais

Nas relações interpessoais observa-se um grau de coeficiência entre os sujeitos que se relacionam, tal grau será auferido pelo processo de internalização do objeto contemplado, uma vez internalizado, nascerá um sentimento a cerca do objeto, sentimento que poderá ser uma aberração, que é o motivo do quebramento do patamar da razão (1º patamar); já no patamar da empatia (2º patamar) não haverá tal quebra, visto que o sujeito contemplador se pauta não apenas na razão, mas sim na profundeza do "eu", que é a essência (ou Estado Abstrato) de cada indivíduo, ou seja, aquilo que está atrelado a seu ser interiormente e externamente, sua condição como ser humano, sua situação no plano social, e todos os demais aspectos metafísicos.

    No primeiro patamar, o da razão, tudo se pacifica e se torna estático, pois sob a égide da razão, aquilo que o sujeito "A" externizou para o sujeito "B", seria tão completo e eivado de um véu de racionalidade, que não restaria a "B" senão o ato de com aquilo corroborar.
    Todavia o patamar da razão é frágil e pode ser quebrado facilmente, pois em algumas relações interpessoais, pode vir a nascer um sentimento racionalmente aberratório, tal sentimento consiste numa extrapolação da razão por conta de uma emoção, pois toda emoção se intensifica na medida em que o objeto contemplado lhe é equivalente, ao que pese, no ponto de equivalência perfeita, o indivíduo contemplador internaliza aquele objeto, e então, nasce um sentimento, que poderá - em circunstancia das características do objeto - ser uma aberração ou não, ou seja, a internalização poderá ser benéfica ou maléfica (racionalmente aberratória) a depender das características do objeto, logo, a depender das características do próprio sujeito observador. O sujeito observador, no processo de internalização, levará em conta todos aspectos do objeto, e no momento em que aquilo for integralmente equivalente à sua "essência" (que é o Estado Abstrato do ser que deriva do teor de suas reações para com tudo que lhe é externo), nascerá então um entendimento eivado daquilo que é da essência peculiar do sujeito, todavia, quando dentre os aspectos do objeto houver dissonâncias esdruxulas, na internalização, tais pontos farão nascer uma distorção, pois aquilo que for totalmente averso á essência do sujeito, e aquilo que for intrínseco à sua essência, deverão se harmonizar para que haja uma internalização integral do objeto, e tal fenômeno faz surgir a distorção, que é a aberração em si, pois não há como haver equivalência entre o que é averso à essência do sujeito contemplador, então, para que aquilo lhe seja internalizado, será mister a distorção, desta forma, quebra-se facilmente o patamar da razão.

    No segundo patamar, os indivíduos em correlação criam como que um espelho que se perfaz nos olhos do sujeito diverso, e ambos vêem a si mesmos no outro através do espelho que é o olho; isso implica num patamar que não supera, mas que se eleva a razão (e que no subjetivo individual é mais profundo que a razão), pois aqueles que se inter-relacionam a partir de tal patamar, internalizam e externizam para além do racional, leva-se em conta, pois, todos aspectos que rodeiam ambos sujeitos, não mais observado aquilo que está no plano da razão, mas sim o que está no plano da essência de cada sujeito, nesse patamar, aquele que externiza algo para o outro, externiza como que para si mesmo, a partir daí, não há mais óbices entre os sujeitos, sejam eles de cunho moral, social, intelectual, financeiro ou de qualquer outra espécie, justamente pelo fato de estar se falando à si próprio através dos olhos do outro, pois quando se comunica com o "eu" não há espaços para "amarras" externas, e a inter-relação flui com mais naturalidade.

A destarte, pode ser que numa relação interpessoal somente um dos sujeitos esteja posicionado no segundo patamar e o outro no primeiro (razão), significando que o primeiro estará a externizar de um modo mais empático, e o segundo estará pautado apenas naquilo que é razoável, haverá uma dissonância entre eles e a relação fluirá de modo mais artificial - para ambos - pois deve-se haver correspondência entre os sujeitos para que a relação seja natural.

domingo, 15 de janeiro de 2017

Martyrs (2008) - sinopse e interpretações

   Um grupo de cientistas dão andamento num processo que consiste em submeter um cobaia a uma pressão física e psicológica tão intensa, que esta, venha a atingir um estado que eles denominam de "mártir", todavia, a grande maioria dos cobaias acabam tornando-se apenas "vítimas", os cientistas acreditam que o ser humano em seu estado primal de sofrimento e desolação seria capaz de compreender e enxergar o sentido da vida e da morte, porém é praticamente impossível chegar-se ao estado de mártir sem se deixar levar pela vitimização, que torna a pessoa imersa em sua própria loucura, tornando-a mentecapta. 
   O filme retrata a história de Lucie e Anna, Lucie era um cobaia que escapou do lugar em que se dava a tortura (um prédio situado numa área industrial, chamado "prédio 1")  quando ainda criança, foi então recolhida a um hospital de pediatria, onde se tornou reclusa devido ao trauma das torturas (ou seja, fora uma cobaia que falhara na experiencia, pois antes de atingir o estado de mártir, atingiu um estado de vitimização, ou talvez não tenha sofrido o bastante para que se observa-se seu real potencial de mártir) que se manifestava através da imagem de uma mulher que abandonara quando escapara de seus algozes, tal mulher era um outro cobaia na mesma situação de Lucy, esta, se auto flagela quando a crise do trauma se intensifica, pois é como se se sentisse culpada por ter abandonado a mulher no prédio 1, durante a auto flagelação Lucie tem a alucinação de que é aquela mulher que está a lhe agredir como punição por te-la abandonado-a.
   Anna é outra interna do hospital de pediatria, que por motivos não expostos no filme, é a única pessoa com quem Lucie mantem contato, no início do filme diz-se que Anna é como uma mãe para Lucie, devido aos cuidados e zelo que tem para com Lucie.
   Subentende-se que Anna tornou-se apegada a Lucie a tal ponto, que Anna abandona sua família para realizar o desvencilhamento do trauma de Lucie, que se daria pela morte dos algozes da mesma, o que acaba ocorrendo 15 anos após o encontro das duas no hospital pediátrico, todavia as alucinações do trauma não param de perseguir a mente atormentada e vitimizada de Lucie, a crise torna-se tão intensa que Lucie por fim corta a própria garganta e vem a óbito (lembrando que em sua mente, não foi ela a autora de sua morte, mas sim a mulher que abandonara no prédio 1 no dia da fuga).
   Enfim chega-se à parte final do filme, em que Anna é capturada pelos cientistas e inicia-se seu processo de martirização (ou vitimização), num dado momento de seu calvário ela alucina e ouve a voz de Lucie perguntando-lhe por que não sente medo, ela mentalmente responde que sente, e Lucie lhe diz que não conseguiria passar pelo que Anna passava naquele momento, e também lhe sugere que se deixe levar, Anna então pergunta se Lucie estaria com ela caso não conseguisse (caso não conseguisse suportar a pressão física e psicologia do processo eu suponho), e Lucie responde que sim (todavia em verdade o que se passa nessa cena é um diálogo de Anna consigo mesma, num momento de alta desolação, em que se atinge o estágio primal de sofrimento e isolação humana), ao final da conversa mental, Anna sussurra "sinto saudades".
   Ao fim da tortura, Anna mantem-se viva e dá-se a entender que apesar disso não tem ciência nenhuma do que esta a ocorrer ao seu redor, como se estivesse distante de si mesma, absorta, enfim os cientistas chegam a conclusão de que Anna foi uma das poucas cobaias que efetivamente foram "martirizadas" e a primeira que teve noção clara do que vira em seu estado de martírio.
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   Minha interpretação ao fim de tudo isso é a de que o filme apresenta-nos a ideia de que o ser humano em seu estado mais grave de desolação e sofrimento ainda pode ater-se àquilo que para ele unica e exclusivamente significa iluminação ou salvação, isso explicaria o fato do porque a antagonista (cientista líder dos estudos, a quem Anna conta o que viu no ápice de seu martírio) vem a se matar e não compartilha com ninguém o que ouvira de Anna martirizada, porque no final das contas o fato ou situação que manteve Anna viva no ápice do estado de martírio fora algo que para a antagonista não seria provido de significação alguma, e que consequentemente não faria sentido para nenhum outro ser humano se não a própria Anna.

Aprender a não existir

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